28 março 2007

O temor de Deus


Que relação com Deus exprimem as palavras temer a Deus?


Há várias palavras que exprimem a nossa relação com Deus: podemos crer em Deus, amá-lo, servi-lo. Por vezes também se diz temer a Deus. Esta expressão é difícil de compreender mas, como não é rara na Bíblia, vale a pena fazer o esforço de uma leitura atenta de alguns textos para tentar compreender melhor o seu sentido.

Há em primeiro lugar o medo como pano de fundo de todas as religiões. As manifestações do divino produzem emoções fortes, que chegam ao pânico e terror. A divindade fascina e ao mesmo tempo assusta. Não há nenhum encontro com o desconhecido e com o inesperado que não cause um momento de sobressalto. Assim tem sido desde a aparição de Deus no Sinai até à manhã de Páscoa: as mulheres que vieram ao túmulo vazio «tinham medo» (Marcos 16,8). Mas, na Bíblia, quase nunca se trata da emoção causada por uma manifestação divina sem que soem imediatamente as palavras «não temais». O medo religioso não é em si um valor. Não deve permanecer, deve dar lugar à confiança.

Noutros contextos, o medo de Deus é uma realidade que perdura e não é passageira. «O medo do Senhor é puro, permanece para sempre» (Salmo 19,10). A explicação deste medo que permanece para sempre não se deve procurar na emoção religiosa, mas na linguagem política da época. Os tratados de protecção estipulavam que os protegidos temeriam e serviriam fielmente o seu protector. Na aliança de Deus com Israel, as mesmas palavras exprimem o compromisso de fidelidade em relação a Deus: «O que o Senhor, teu Deus, exige de ti é que temas o Senhor, teu Deus, para seguires todos os seus caminhos, para o amares, para servires o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma» (Deuteronómio 10,12). Temer, amar e servir a Deus são aqui sinónimos. O temor a Deus já não é uma emoção, mas uma atitude estável de fidelidade à aliança.

Nos salmos, temer a Deus é «guardar a sua aliança e lembrar-se de cumprir os seus preceitos» (Salmo 103,18). «Os que temem o Senhor» formam «a grande assembleia» dos fiéis reunidos no Templo para rezar e adorar (Salmo 22,26). Neste contexto, o temor do Senhor corresponde mais ou menos ao que chamamos a prática religiosa. Por isso ela é ensinada: «Vinde, meus filhos, escutai-me; vou ensinar-vos o temor do Senhor.» (Salmo 34,12) «Ensinar o temor do Senhor», não é de modo algum suscitar o medo, mas sim ensinar as orações e os mandamentos, iniciar a uma vida de confiança em Deus. «Vós que temeis o Senhor, tende confiança nele (Eclesiástico 2,8)».

Atendendo ao uso que a Bíblia faz da palavra temer, podemos, em muitas ocasiões, traduzi-la por adorar ou amar, e traduzir temor de Deus por fidelidade.


Carta de Taizé: 2004/4

22 março 2007


Noite Vicarial na igreja de S. Miguel, a não faltar....